Todos nós temos um lado sombra Na relação com os outros o egoísmo pode estar…
Quando pensamos nas Cinquentas Sombras de Grey, depressa somos transportados para um mundo erótico, de desejo e sensualidade. Um mundo em que é tão dificil de entrar, para tantas mulheres. Um mundo desconhecido, quiçá, mas intenso e, ao mesmo tempo, libertador. Libertador de desejos ocultos; libertador de intimidade e sensualidade; libertador de timidez e extravagâncias. E, desta forma, as Cinquenta Sombras de Grey tornam-se um fenómeno mundial. Mas, porquê este fenómeno? Há tantos livros de teor sexual, de cariz mais íntimo e sensual. Porquê as Cinquentas Sombras de Grey?
Talvez devido ao facto de ser algo novo. Algo de que nunca se tenha falado tanto e tornado tão público. Algo que, por vezes, a nossa sociedade proibe, ainda que indirectamente. Algo que, se falarmos muito, a nossa consciência começa a pesar. As Cinquenta Sombras de Grey vieram dar uma espécie de permissão, ainda que subtil, para se falar de sexo. Aliás, eu diria mesmo, para se pensar sobre sexo e sobre desejos sexuais. E, portanto, os desejos, neste livro, passam por submissão ao parceiro, por violência sexual e pela utilização de objectos, durante a intimidade. Mas agora pergunto: será isto desejo sexual e/ou fetiches sexuais ou, por outro lado, uma história de violência (por mais insignificante que isso pareça, no livro)?
Será que um adolescente que leia esta triologia e que não tenha ainda experiência e maturidade, no campo sexual, pensa que é assim que se obtém prazer sexual e, todavia, o amor? O verdadeiro amor? Isto pode dar que pensar. Cada vez mais, crescem os números da violência no namoro; dados do Conselho da Europa indicam que 12% a 15% das mulheres com mais de 16 anos passam por situações de abusos nas relações amorosas.
E, desta forma, deparamo-nos então com a questão mais temática: será isto violência ou erotismo? Será que o erotismo puxa para a violência ou, a própria violência, pode dar fim a um erotismo (saudável ou não)? Temos de pensar com clareza nas coisas e sem fazermos juízos de valor. Podemos falar aqui de fetiches ou de desejos eróticos mais profundos mas, sem nunca nos esquecermos da distinção. Ou seja, conseguirmos ter a perspicuidade de distinguir entre o erotismo e a violência; entre o saudável e o não saudável; entre o fetiche e o abuso.
O desejo sexual faz parte do ser humano e está intrínseco em muitas áreas da nossa vida mesmo, por vezes, sem querermos. Não há volta a dar! Isto não é mau ou bom; não é uma questão de ser mais tímido ou mais extrovertido; é sim uma questão hormonal que vem desde os nossos antepassados. E, por isso, penso que a vergonha ou o medo de se falar sobre determinados assuntos, neste campo sexual, devem ser repensados e analisados. E, de uma forma ou de outra, as Cinquenta Sombras de Grey vieram atenuar isso. Vieram dar permissão, digamos assim, para que se possa falar mais um pouco sobre o tema ainda tão tabu da sexualidade. As Cinquenta Sombras de Grey vieram permitir que houvesse um desejo expresso entre mulheres e homens. E, sem sombra de dúvidas, que esse desejo pudesse ser manifestado e, quiçá, realizado. As Cinquenta Sombras de Grey vieram permitir, com todas as suas lacunas (ou não), que amigas falassem umas com as outras sobre o sexo; sobre fetiches e desejos sexuais e, além disso, vieram permitir que homens e mulheres falassem, sobretudo. Vieram permitir que casais se abrissem uns com os outros. E este ponto é fulcral, para que uma relação (seja namoro ou casamento) seja mais feliz e saudável. Quer queiram, quer não, o sexo e o diálogo sobre o sexo numa relação faz muita falta e transmite mais tranquilidade e segurança a um casal. Porque, na verdade, todos têm um Mr. Grey dentro de si. A questão é saber lidar com isso. Pense nisso. Não tem de ser um tabu, muito pelo contrário, é uma das ferramentas inerentes ao funcionamento de uma relação. Se não o conhecer e se não conhecer os gostos e fetiches dele, realmente, quem os irá conhecer? Será que ele terá de ir procurar alguém para satisfazer isso? Ou, então, viverá amargurado e na sempre na expectativa de que algo aconteça. Isso não é saudável; nem para ele, nem para si. Até porque também você tem os seus desejos e fetiches. Partilhe-os. Aproveite a saga das Cinquenta Sombras de Grey e fale abertamente sobre isso. Não há que temer nem criar um tabu acerca disso (apesar de ter uma sociedade a fazê-lo, constantemente).
E em relação ao fetiche do Mr. Grey? Penso que os fetiches analisados nesta triologia serão apenas isso, fetiches, e nada mais. Ou seja, não acho que o Mr. Grey queira fazer mal à sua companheira; até porque o aviso foi bem claro – “eu faço isto porque gosto e porque é assim que obtenho prazer sexual”: Mas atenção! Há alguns pontos que quero salientar e que não são assim tão subtis como, por vezes, os livros apresentam. Sei que, até aqui, defendi que todos podem e devem ter e falar sobre os seus desejos e fetiches mas, não importa esquecer que o casal tem de estar de acordo. Portanto, tudo o que o homem quiser fazer, a mulher tem de aceitar e vice versa. Senão, passaremos para um lado de violência pura, de discriminação, humilhação e submissão. Isto não é saudável em nenhuma relação e, por vezes, até pode acontecer, sem que dê por isso. Mas também há outra questão: permissão vs. Vontade. Ou seja, pode permitir mas com ou sem vontade. E não diga que o faz só por amor. Será que nos devemos submeter a tudo, mesmo por amor? Será o amor capaz de tudo isto?
Porque o Mr. Grey não é perfeito, assim como o Leonardo Dicaprio ou o Tom Cruise. Não há homens perfeitos. Aliás, diria mais; não há ninguém perfeito. E é com essas pequenas imperfeições que vamos sendo felizes e construindo relações. E, essa é a moral que vai permanecer, para sempre: será esta uma história de sexo e prazer ou, por outro lado, uma história de amor, em que todos acabam a viver felizes para sempre? Fica a eterna questão…
Artigo publicado na Revista Viva Mais Saúde Viva Melhor (Março 2015) – Erro: No artigo está Marta Leitão, mas a autora é Mafalda Leitão.